COMUNIDADE RURAL DE ESPIGÃO DE CIMA, MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS/MG
Sua história, sua gente, seus conflitos e suas particularidades
JOÃO FIGUEIREDO
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que se dispuseram a doar parte do precioso tempo de seus cotidianos, alguns com sacrifício de horas de trabalho ou do merecido descanso diário, para conceder as entrevistas citadas ao longo do texto, em especial a diretoria do Conselho Comunitário de Lagoinha que colocou à disposição todos os seus registros de atas e outros documentos para pesquisa. A Quintiliano Mendes Maia pela leitura dos originais e críticas e sugestões apresentadas; e, por fim, a todos que de alguma forma contribuíram para a construção deste trabalho, seja como atores do processo histórico aqui registrado, seja como detentores de informações que resgatam a memória desse processo, ou fazendo críticas construtivas e sugestões.
DEDICATÓRIA
A William Ataíde Teixeira e João Pedro Figueiredo, descendentes dos primeiros moradores de Espigão de Cima e que partiram ainda nos primeiros raios da aurora de suas vidas, sem conhecer a história dos seus antepassados.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
ANTECEDENTES
A VIDA NO MEIO RURAL
O POÇO TUBULAR DA COMUMINIDADE DE ESPIGÃO
A ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE ESPIGÃO
A COMUNIDADE
ATIVIDADES RELIGIOSAS
ATIVIDADES DE ESPORTE E LAZER
CONCLUSÃO
SOBRE O AUTOR
INTRODUÇÃO
A primeira sugestão de se escrever a história da comunidade partiu da direção da Paróquia de Nossa Senhora de Montes Claros e Beato José de Anchieta no ano de 2009. A ideia, então começou a amadurecer. Posteriormente, ainda nesse mesmo ano, durante uma palestra sobre o Projeto de Intervivência do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na comunidade de Espigão de Cima, o professor Paulo Sérgio Lopes, coincidentemente, deu a mesma sugestão.
A ideia continuou efervescendo até que foi juntada à ação prática. Cabe, entretanto, esclarecer que os registros aqui apresentados não pretendem esgotar o assunto, ao contrário, pretendem ser um ponto de partida para outros estudos mais aprofundados, nas mais variadas áreas do conhecimento humano, por quem tiver interesse pela temática. Não há dúvidas de que estudos dessa natureza possibilitam a abertura, cada vez maior, do caminho que leva cada um ao entendimento do mundo ao seu redor e, consequentemente, a uma reflexão sobre o processo evolutivo humano em todas as suas nuances. Cada vez que se consegue fazer essa reflexão, o indivíduo retoma a trilha de ser humano independente, que sente, pensa e age por si mesmo, isto é, retoma a trilha da cidadania.
A comunidade de Espigão de Cima está situada às margens do Rio Espigão, a cerca de 1.500 metros da sua nascente, e a aproximadamente 800 metros do povoado de Lagoinha, que é cortado pela rodovia BR 135. A comunidade está situada na Fazenda Espigão e passou a ter a denominação de Espigão de Cima para se diferenciar de outra comunidade também chamada Espigão, hoje denominada de “Espigão de Baixo” ou “Espigão do Barrocão”, situada também às margens do Rio Espigão, porém, a jusante e próximo à comunidade de Barrocão. Mais adiante retomaremos esse assunto.
A denominação da fazenda se deve ao fato desta ser divida ao meio, no sentido longitudinal, pelo Rio Espigão que nasce num ponto próximo às margens da BR 135, entre as comunidades de Lagoinha, Planalto Rural e Olhos D’Àgua, e deságua no Rio do Sítio, abaixo da comunidade de Barrocão, após descer por grandes desfiladeiros, entre espigões, por um percurso de 15 a 20 quilômetros. A Fazenda Espigão, de acordo com informações de Cláudio Figueiredo, um dos nossos entrevistados para este trabalho, é uma grande faixa de terreno (cerca de 1.000 alqueires), limitada ao Oeste pela rodovia BR 135, ao Norte pelo córrego São João e ao Sul, Leste e Nordeste pelo Rio do Sítio. O Rio do Sítio nasce próximo à comunidade de Santa Rita (nos limites entre os municípios de Montes Claros e Bocaiúva), corre em direção Leste e depois descreve uma curva acentuada na direção Nordeste para desaguar no Rio Verde Grande, no município de Glaucilândia. Dentro dos limites da Fazenda Espigão estão as comunidades de Espigão de Cima, Barrocão, Espigão de Baixo, Barro Branco, Planalto Rural e parte de Lagoinha (outras duas partes do povoado de Lagoinha estão situadas em fazendas diferentes: uma, ao Norte, na Fazenda São João e outra, ao Oeste, na Fazenda Pradinho). Portanto, a comunidade de Espigão de Cima não é necessariamente a Fazenda Espigão e sim parte desta.
Para a realização do presente trabalho foram feitas entrevistas a seis antigos moradores da comunidade: Antônio da Rocha de Souza, de 78 anos de idade, Antônio Gonçalves Ferreira, de 83 anos, Waldemar Nunes da Silva, de 79 anos, Raul Dias de Figueiredo, de 80 anos, José Ribeiro da Silva, de 64 anos, e Augusto Dias Figueiredo, de 66 anos. Entrevistamos também Onofre Alves dos Santos, de 57 anos, e Mariana de Queiroz Santos, de 61 anos, marido e mulher, que, apesar de morarem a menos de uma década na comunidade, tiveram uma participação ativa na construção da igreja católica da comunidade, inclusive na intermediação dos contatos com os doadores do terreno para tal construção; essa capela, como veremos, é um dos marcos da configuração atual da comunidade. Dos moradores mais jovens, entrevistamos duas lideranças: José Bonfim Pereira dos Santos, o “Zé Bonfim” ou simplesmente “Bonfim”, 41 anos de idade, natural da comunidade de Água Santa e que mora em Espigão de Cima há 14 anos, e Gilvane dos Reis Rocha, 37 anos de idade, que é natural e morador da comunidade de Espigão de Cima.
Foram entrevistadas três lideranças da comunidade de Lagoinha que atuam no conselho comunitário daquela comunidade desde quando a localidade que hoje é chamada de Espigão de Cima era identificada como parte da comunidade de Lagoinha e que conhecem todo o processo que antecedeu o desmembramento que transformou as duas localidades em comunidades distintas. São eles: Geraldo Cláudio Figueiredo, 47 anos, nascido na comunidade de Lagoinha, Regina Aparecida Soares, 31 anos, natural da comunidade de Aparecida do Mundo Novo e que mora em Lagoinha há 28 anos, Carla Luciana de Oliveira, 32 anos, natural da comunidade de Pradinho e que mora em Lagoinha há 18 anos.
Ao final da pesquisa, surgiram algumas conclusões sobre o ponto de partida das transformações que deram as configurações atuais da comunidade de Espigão de Cima, especialmente no âmbito sociológico e político. A análise foi feita a partir da confrontação dos depoimentos de entrevistados e da leitura de atas e listas de presenças das associações de Espigão de Cima e de Lagoinha. Ao se referir às articulações para a perfuração do poço artesiano da comunidade de Espigão de Cima, tratadas nas reuniões do conselho comunitário de Lagoinha, optou-se por citar os nomes dos moradores de Espigão que estiveram presentes. Esse recurso, não obstante ser um método utilizado pela historiografia tradicional e denotar uma postura conservadora, neste trabalho foi empregado com o objetivo de retratar o processo de mobilização e participação coletiva nas decisões que mudariam toda a configuração da localidade de Espigão, haja vista que a população adulta da localidade, à época, não passava de um total de 40 moradores. Também citamos alguns conflitos que, apesar de serem pontuais, têm o objetivo de permitir avaliar o contexto social e político em que se deu a formação da comunidade.
ANTECEDENTES
Os primeiros moradores, dos quais que se tem registro, vieram para a localidade, hoje denominada de Espigão de Cima por volta de 1930. Joaquim Nunes Cordeiro, Ambrósio Dias de Morais, Rosalino Avelino, José da Rocha, o “Zé da Rocha”, um senhor conhecido por “Chico Mumbuca”, Marcionílio Pereira, Manoel Pereira, José Teixeira, o “Zé de Rosa”, João Elias, o “João da Lagoa”, em cujo terreno morava “Necão de Rita”, Cesário (não possuía apelido e não foi possível obter o sobrenome), “Zé Vaqueiro” e “Jacinto Catirá”, foram os primeiros a chegar com suas respectivas famílias. Dentre estes, Joaquim Nunes teria sido o primeiro e Ambrósio Dias o segundo a se instalar na localidade. Alguns anos mais tarde, Manoel Nunes Cordeiro e Francisco Nunes Cordeiro, o “Chico Nunes”, filhos de Joaquim Nunes, adquiriram glebas de terras na mesma fazenda. Posteriormente, por volta de 1947, Emídio Lopes da Silva chegaria à comunidade por influência do seu primo Ambrósio Dias. Depois de algum tempo, Joaquim Leal, Jaime Leite, o “Velho de Niquim”, José Dias de Figueiredo, o “Zé de Ambrósio”, filho de Ambrósio Dias, também adquiriram terrenos na localidade. Com exceção de “Velho de Niquim”, que vendeu seu terreno e se mudou, os herdeiros (filhos e netos) desses primeiros moradores dariam origem à comunidade, seja por constituírem famílias na localidade, seja por venderem suas propriedades, no todo ou em parte, possibilitando a vinda de novos moradores. As terras que pertenceram a estes foram sendo divididas entre os herdeiros na medida em que os proprietários iam morrendo. Muitos herdeiros as vendiam no todo ou em parte e, assim, foi-se formando uma área com vários pequenos sítios.
Após a morte da esposa de Joaquim Nunes, no início da década de 60, a família vendeu as terras do casal, o patriarca foi morar com seu filho Manoel Nunes e viria a morrer no início da década seguinte. Antes, porém, com a morte da primeira esposa de Manoel Nunes, filho de Joaquim Nunes, no início da década de 1950, a metade das terras do casal foi dividia entre os 5 filhos. No início da década de 1960 “Zé de Ambrósio”, viúvo da filha mais velha de Manoel Nunes, comprou os direitos de herança dos outros quatro herdeiros. Por essa época Emídio Lopes, que já possuía uma propriedade na mesma fazenda, abaixo das terras que foram de “Chico Mumbuca” e de Cesário, próximo ao limite com a comunidade de Barrocão, adquiriu as terras dos herdeiros de “Chico Nunes” (falecido na década de 1950) que se limitavam com as terras dos herdeiros de Ambrósio Dias (falecido no final da década de 1940). Manoel Nunes se casou pela segunda vez e teve mais 10 filhos: morreu em meados da década de 1970.
As terras de Rosalino Avelino foram adquiridas, por compra, por um senhor conhecido apenas por “Dr. Aurindo” e, depois, por “Velho de Niquim” e um morador conhecido de todos como “Senhor Neném”; as terras de “Chico Mumbuca”, “Jacinto Catirá” e Cesário foram adquiridas por Joaquim Leal. As terras de Joaquim Nunes foram adquiridas por Manoel Pereira Ramos, “Manoel Pão”, morador da Fazenda Pacuí (falecido na década de 1970); as de Manoel Nunes, uma parte foi adquirida por “Zé de Ambrósio”, que se somou a outras glebas que possuía, e a outra parte por pessoa conhecida como “Senhor Liu” e para outros proprietários sucessivos. “Manoel Pão” morava na Fazenda Pacuí, mas, possuía dois genros que moravam na Fazenda Espigão (um filho de Emídio e outro filho de Ambrósio) que, após sua morte, herdaram as terras que foram adquiridas de Joaquim Nunes.
As terras de Ambrósio se mantiveram em uso comum dos seus herdeiros, sob a coordenação da viúva Gertrudes Alves Figueiredo, com exceção de “Zé de Ambrósio” que vendeu seus direitos de herança e mantinha sua propriedade independente. A segunda esposa de “Zé de Ambrósio” morreu no início da década de 1990 e suas terras foram divididas entre ele e 10 herdeiros. No final daquela década, ele, já vivendo o seu terceiro casamento, vendeu duas pequenas glebas do seu terreno e uma dessas glebas foi redividida entre os herdeiros do comprador. “Zé de Ambrósio” morreu no ano de 2002 e suas terras foram divididas entre 11 herdeiros, um filho do primeiro casamento e 10 do segundo. Desses onze herdeiros só três ficaram com suas partes, os demais venderam seus direitos para pessoas fora da família. A terceira esposa (que não era casada civilmente) vendeu a um dos herdeiros do companheiro o direito à casa do casal e a uma faixa de terreno que lhe fora doada pelo companheiro em vida. As terras que antes pertenceram a “Zé de Ambrósio” atualmente (2010) pertencem a 15 famílias.
O ponto culminante da formação da comunidade tal qual se encontra hoje, entretanto, foi a perfuração de dois poços tubulares na localidade e a divisão em chácaras dos terrenos que pertenceram a Emídio Lopes da Silva e a Gertrudes Figueiredo, na primeira metade da década de 2000. O primeiro faleceu no final da década de 1970 e a segunda faleceu no início da década de 1990. Os herdeiros dessas duas famílias dividiram a parte de suas terras que se situava na área de chapada (ponto mais alto dos terrenos) em várias chácaras com dimensões que variam entre 1.000 e 5.000 m². Houve, então, um afluxo de novos moradores bem como de pequenos proprietários que residem na área urbana do município e que se deslocam para suas propriedades nos finais de semana. Para a venda das chácaras o fator decisivo que era o abastecimento de água, e esse abastecimento viria a ser o principal responsável por alguns conflitos surgidos entre os vendedores de chácaras e por toda a configuração social, econômica e cultural que a comunidade adquiriu, como será tratado mais adiante.
A VIDA NO MEIO RURAL
A vida no meio rural no final da década de 2000, não difere muito da vida urbana. Acredita-se que a televisão seja um dos principais instrumentos que dinamizaram o processo de unificação do modus vivendi de moradores das duas partes do município, pó difundir informações que outrora só eram acessíveis a moradores urbanos. Essa unificação está se consolidando com a inclusão digital dos moradores da zona rural (muitos moradores atualmente possuem computador e internet em casa).
Todavia, houve um período em que as diferenças entre o habitante da zona rural e o habitante da zona urbana eram visíveis, o que renderam alguns estereótipos que permanecem até hoje retratados nas caricaturas caipiras das fantasias das festas juninas e em filmes com personagens matutos, como os dirigidos e protagonizados por Amâncio Mazzaropi. Alguns depoimentos nos dão uma ideia de como era a vida, em décadas anteriores, no local que viria a ser a comunidade de Espigão.
Antônio Souza Rocha, 78 anos, nascido na comunidade de Barrocão e residente em Espigão há 36 anos, mas, desde criança sempre teve contato com as pessoas que moravam nesta localidade. Ele diz que as primeiras lembranças que tem de onde é hoje a comunidade de Espigão são da época da sua juventude: havia apenas um conjunto de cerca de 13 ou 14 sítios ou fazendinhas. Naquela época, segundo ele, a vida era bem difícil, as pessoas se deslocavam de um lugar a outro, inclusive para a cidade, a cavalo, a pé ou em carro-de-boi com rodas rígidas de madeira pura ou de madeira com armação de metal (as carroças com rodas de pneu começaram a surgir muito depois, na década de 1960, quando a BR 135 foi asfaltada). A iluminação era a querosene ou azeite caseiro de mamona; as pessoas mais pobres vestiam-se de roupas (calças, saias, camisas) confeccionadas com o tecidos obtidos a partir da abertura de sacos de linhagem (fibra de sisal), depois evoluiu para o uso de tecidos de algodão de sacos utilizados para transportar açúcar e cereais; estes últimos também foram muito usados para confeccionar fraldas e cueiros de recém-nascidos. Os calçados para uso no dia-a-dia – quando se usava – eram feitos artesalmente a partir couros sem tratamento de bovinos. Dormia-se em colchões feitos com tecidos de sacos (de linhagem ou algodão) enchidos com palhas de bananeiras ou capim de carrasco, e as camas muitas vezes eram feitas de forquilhas fincadas no chão do quarto com um estrado feito com varas; as camas depois evoluíram para um conjunto de cavaletes com tábuas. Comprava-se basicamente arroz, querosene, sal, calçados e roupas para passeio (as peças dessas roupas e calçados costumavam durar por até 10 anos devido ao pouco uso); o restante era produzido na roça: gordura de porco, rapadura, verduras, temperos, feijão, milho, sabão. Ele lembra que era ainda jovem quando estava numa festa em Água Santa e que ali estiveram em visita rápida “Deba” e “Neco Santa Maria” afirmando que precisavam voltar logo à cidade porque o Presidente da República (Getúlio Vargas) havia morrido. “Deba” e “Neco Santa Maria” eram os políticos que dominavam a região. O entrevistado disse que, por influência desses dois já votou também em Pedro Santos para prefeito e Geraldo Lima para vereador; o principal líder comunitário que trabalhava para esses políticos na região foi Sebastião da Rocha, morador da Fazenda Barrocão, auxiliado por Messias Cachoeira e “Raul de Ambrósio”, na Lagoinha, Ursino Ferreira, no Planalto, e Manoel Nunes em Espigão. Disse que já ouviu comentários de que “Neco Santa Maria” e “Deba” mandavam torturar e até matar desafetos e adversários políticos, mas, que não conhece nenhum fato que os prove; que sabe com certeza apenas que os dois costumavam livrar da cadeia as pessoas ligadas a eles que se envolviam em problemas com a lei.
Antônio Gonçalves Ferreira, 83 anos, nascido na Fazenda Lagoinha e residente na comunidade de Espigão há 52 anos. Disse que na sua juventude era muito comum festas em casas de família – costumavam amanhecer o dia e dificilmente ocorriam brigas. Igrejas só existiam na Água Santa, Gameleira e Riachinho. Afora as festas de famílias e eventos religiosos a diversão era se reunir onde havia campos de futebol ou nos pequenos bares situados às margens da rodovia – os mais próximos eram os de “Miguel Cacetão”, “Miguel Pedra”, “Neco Martins” (depois Dionísio Leal) e “Raul de Ambrósio”. Afirma que nunca votou quando era jovem, uma vez que só tirou seu título de eleitor já com idade avançada, por influência de Ademar Bicalho. Disse que conheceu “Neco Santa Maria” e “Deba”, que eram os políticos que tinham o controle da região na época da sua juventude, e que já ouviu dizer que os dois eram advogados e que costumavam livrar da cadeia os criminosos buscassem a ajuda deles. Disse que durante muitos anos da sua vida só conhecia a iluminação com o candeeiro de azeite de mamona, fabricado com barro argiloso, que só na maturidade veio a conhecer o querosene.
Waldemar Nunes da Silva, 79 anos, nasceu e viveu até os 24 anos de idade na Fazenda Espigão, filho de Manoel Nunes. Disse que no período em que morou na comunidade, apenas Manoel Nunes (seu pai), Ambrósio Dias e “Chico Nunes” possuíam carros-de-boi; alguns dos demais moradores possuíam cavalos e havia aqueles que não dispunham de nenhum meio de transporte. Que era muito comum as pessoas viajarem a pé os cerca de 20 quilômetros até a cidade nos finais de semana. Os cavalos e carros-de-boi eram guardados num curral da prefeitura, localizado na rua Pires e Alburquerque (onde atualmente é sediado o Batalhão do Corpo de Bombeiros de Montes Claros); ali costumava ocorrer freqüentes furtos de arreios, cortes furtivos de crinas e rabos de eqüinos (matéria-prima para a fabricação de rédeas) e até furtos de animais. Ele confirma que politicamente a localidade era dominada por “Neco Santa Maria” e “Deba”, homens poderosos contra os quais circulavam comentários de que mandavam matar seus desafetos e adversários políticos e de que livravam da prisão qualquer criminoso que lhes pedisse ajuda; também eram famosos por conseguir reaver armas que eram apreendidas pela polícia e devolvê-las aos seus donos; disse que não teve uma ligação direta com os dois e nem conhece nenhum caso real sobre os comentários sobre uso de violência que circulavam sobre eles, mas, que seu pai, Manoel Nunes, manteve uma proximidade com os dois durante o tempo em que eles mantinham o controle político da região. Destacou que a água sempre foi o fator principal na constituição da comunidade: antes as casas eram construídas próximas aos rios e a água era buscada em latas “na cabeça” pelos moradores; depois, os que tinham melhor poder aquisitivo passaram a utilizar animais de carga para buscar a água; em seguida, vieram os carneiros (bombas hidráulicas com funcionamento pela pressão da própria água) e, por fim vieram as bombas elétricas seguidas dos poços tubulares. No Rio Espigão chegou a ser instalada uma roda d’água que funcionou algum tempo bombeando água para um morador.
Raul Dias Figueiredo, o “Raul de Ambrósio”, 80 anos, nasceu e viveu a maior parte de sua vida na comunidade. É filho do casal Ambrósio Dias/Gertrudes Figueiredo. Disse que por ocasião da divisão das terras entre os herdeiros de sua mãe, enfrentou dificuldades para selecionar um local que o interessasse, uma vez que ainda não possuía uma posse demarcada; que seus irmãos, especialmente Augusto, insistiram para que ele demarcasse seus direitos em duas partes distintas: uma no alto da chapada, onde não era valorizada porque não havia água, e outra próximo ao rio; disse que como ele era comerciante estabelecido às margens da rodovia, fora do terreno de sua mãe e não tinha atividades rurais, decidiu propor retirar todo o seu direito no alto da chapada. Com o crescimento do povoado de Lagoinha cresceu a procura por chácaras no entorno do povoado e, então, suas terras, que antes não tinham valor, passaram a ser valorizadas por terem características ideais para chácaras: isto, segundo ele, gerou incômodo em outros herdeiros que quando da divisão das terras não tinham interesse na área de chapada. Declarou que conheceu “Deba” e “Neco Santa Maria” e que era amigo dos dois – chegou a atuar como “cabo eleitoral” dos dois em Lagoinha, Espigão e outras comunidades, assim como trabalhou para Pedro Santos e Moacir Lopes. Disse que “Neco Santa Maria” era um homem de poucos estudos, mas, muito astuto na política; que “Deba”, ao contrário, era mais culto; afirmou que já ouviu comentários de que os dois costumavam utilizar de violência contra seus adversários políticos, mas, que pessoalmente não conhece nenhum caso que comprove esses comentários.
José Ribeiro da Silva, 64 anos, nasceu na comunidade de Rio Verde, município de Francisco Sá e vive em Espigão há 62 anos. É filho de Emídio Lopes que veio para Espigão com a família em 1947. Ele destaca que havia uma certa integração dos moradores da parte da Fazenda Espigão que se tornaria a comunidade de Espigão de Cima, em função de serem poucos moradores. Era comum um vizinho agradar ao outro partilhando carne quando abatia um porco por exemplo; havia negociações constantes entre os vizinhos com troca e venda de animais e pertences. Havia solidariedade nos casos de doenças e mortes; havia também a prática da “mãe de leite”, em que a mulher que dava a luz evitava que a criança amamentasse do colostro que, segundo a crença, era o “leite ruim”; o leite era retirado e descartado até que adquirisse a coloração branca; enquanto isto, uma lactante das vizinhanças amamentava a criança durante os 3 ou 4 primeiros dias do parto – essa lactante passava a ser considerada a “mãe de leite”.
Augusto Dias Figueiredo, 66 anos, natural e morador da comunidade de Espigão desde que nasceu. É filho do casal Ambrósio Dias/Gertrudes Figueiredo. Disse que quando criança e adolescente raramente se via um veículo automotor passando pela estrada de rodagem que levava à cidade de Montes Claros – o que mais se via eram pessoas se deslocando a cavalo, às vezes tangendo outros cavalos com cargas do se produzia na roça para vender na cidade. Via-se carros-de-boi, no início eram os “saboeiros”, carros-de-boi fabricados em madeira e com rodas de chapas de madeira sem raios; o deslocamento desses carros produzia um ruído contínuo característico, algo parecido com o canto de uma cigarra, porém, mais grave; havia também as pessoas que se deslocavam a pé até a zona urbana do município. Depois dos “saboeiros” surgiram os “carroções”, carros-de-boi com rodas raiadas e com bordas de ferro, eixo e cantoneiras também de ferro. Por fim, vieram as carroças, puxadas por cavalos e com rodas semelhantes às de “carroções”, isto é, em ferro e madeira, só que mais leves. Disse que foi “guieiro de boi” de seu pai, desde muito cedo – o “guieiro de boi” é a pessoa que segue à frente do “carro-de-boi” para ser acompanhado pelos bois e dar direção ao veículo. Viajava sempre com seu pai para vender os produtos na feira do mercado municipal aos sábados (vendia feijão, milho, rapadura, ovos, queijo, verduras, mamona, etc.). O mercado municipal era situado ao lado da Praça Dr. Carlos, onde hoje funciona o Shoping Popular. Depois de algum tempo seu pai adquiriu uma carroça com rodas semelhantes às de carroção e, além de transportar seus próprios produtos também costumava fazer fretes para outros produtores rurais da região: a viagem com essa carroça até a cidade durava em média uma noite, isto é, saía-se ao pôr-do-sol e viajava toda a noite, com pequenas paradas para descanso, e chegava à área urbana ao amanhecer. A iluminação das casas era feita com lamparinas a querosene e candeeiro de azeite, mas havia um recurso extra quando faltava o querosene e o azeite: colocava-se várias sementes descascadas de mamona enfileiradas num espeto fino de bambu ou madeira e incinerava a semente da ponta do espeto; a semente queimava em chama e iluminava o ambiente doméstico; na medida em uma semente acabava o fogo passava por transmissão para a semente seguinte. Para lubrificação dos carros-de-boi, carroças e engenhos de cana, usava-se graxa caseira, fabricada com sebo bovino e pasta de mamona cozidos. Disse lembrar que o primeiro rádio adquirido na comunidade foi do seu irmão Raul, possivelmente na década de 1950.
O POÇO TUBULAR DA COMUNIDADE DE ESPIGÃO
A abertura de um poço tubular comunitário nas terras pertencentes a Augusto Figueiredo, foi o ponto de partida para a criação de chácaras e o consequente aumento do número de propriedades e da população que daria à comunidade de Espigão de Cima o aspecto que tem hoje. A distribuição da água geraria alguns conflitos pessoais, como veremos mais adiante.
Quanto à origem do poço, José Bonfim, genro de Augusto Figueiredo, e proprietário da posse em que está o terreno doado para o referido poço, ao ser entrevistado, relatou que o poço foi perfurado após um contato seu com o então vereador Ademar Bicalho, a quem fez o pedido pessoalmente; que o poço foi perfurado cerca de 30 dias depois desse contato. Declarou que quando estava fazendo os contatos para a perfuração do poço contou com a ajuda da então presidente da Associação Comunitária da Lagoinha, Rosângela Sampaio Maciel. O atual presidente da comunidade de Lagoinha, Cláudio Figueiredo, afirma que foi o contrário, que foi a então presidente Rosângela que promoveu todas as articulações para a perfuração do poço da comunidade de Espigão, uma vez que, na época, aquela associação era a responsável também pelas comunidades de Espigão e São João 2. Disse que “Zé Bonfim”, assim como outras pessoas de Espigão e da comunidade de Lagoinha, apenas apoiou o trabalho da presidente do conselho comunitário de Lagoinha nessas articulações.
Cláudio relatou que a proposta inicial da então presidente da associação de Lagoinha, Rosângela Sampaio Maciel, era a abertura de um poço na comunidade de São João 2, destinado a atender aquela comunidade e aos moradores de Espigão (que à época era parte da comunidade de Lagoinha). A ata da reunião de 07/03/1999, do conselho comunitário de Lagoinha, registra a fala da presidente Rosângela Sampaio na qual relata a então recente inauguração do poço artesiano da comunidade de São João 2, com a presença de Benedito Said, Ademar Bicalho e outros vereadores da época, o prefeito Jairo Athayde, secretários municipais e outras autoridades, além da Banda de Música do 10° Batalhão da Polícia Militar; houve também transporte gratuito de moradores das comunidades vizinhas, área de lazer e lanches para todos. Nessa reunião do dia 07/03/1999 estiveram presentes, 58 moradores de Lagoinha e os seguintes moradores de Espigão: Jair dos Santos Dias, Cirilo Trindade da Silva, Ilda Peixoto Ferreira, José Bonfim Pereira dos Santos e Antônio de Souza Rocha. Na ata da reunião de 05/09/1999, do mesmo conselho comunitário, a presidente Rosângela Sampaio fala da impossibilidade de se abastecer Espigão com água do poço de São João 2; Ademar Bicalho, presente na reunião, afirma que iria entrar com um projeto de emergência para a abertura de um poço específico para os moradores de Espigão. Essa foi a primeira reunião do conselho comunitário de Lagoinha em que foi tratado o assunto da abertura do poço em Espigão; estiveram presentes 28 moradores de Lagoinha e os seguintes moradores de Espigão: Jordelina Gonçalves Ribeiro, Paula dos Santos Dias, José Bonfim Pereira dos Santos, José Dias de Figueiredo, Waldemar Nunes da Silva, Jair dos Santos Dias, Ilda Peixoto Ferreira e Geraldo Dias Ferreira.
No dia 09/01/2000 a reunião do conselho comunitário de Lagoinha foi realizada numa palhoça na Escola Municipal Dr. Joaquim Costa, a presidente Rosângela Sampaio Maciel informou a todos os presentes que naquela data havia sido iniciada a perfuração do poço tubular de Espigão. Estiveram presentes na reunião 48 moradores de Lagoinha e os seguintes moradores de Espigão: Maria de Lourdes Figueiredo, Alcides Ferreira de Souza, Sinvaldo Ferreira da Silva, José Dias de Figueiredo, Ilda Peixoto Ferreira e Waldemar Nunes da Silva. No dia seguinte (10/01/2000) houve uma reunião extraordinária do conselho comunitário de Lagoinha na residência de “Zé Bonfim”, em Espigão, para tratar exclusivamente sobre o poço artesiano. A reunião foi presidida pelo tesoureiro José Sebastião Freitas e contou com a presença de Ademar Bicalho e do então secretário municipal adjunto de agricultura, Marcos Brant. Da ata consta, inclusive, o pedido de apoio que Ademar Bicalho fez a todos para a sua reeleição como vereador nas eleições daquele ano. Estiveram presentes 38 moradores de Lagoinha e os seguintes moradores de Espigão: Jandira Carvalho de Souza, Paulo Ribeiro da Silva, Augusto Dias Figueiredo, Sebastião Figueiredo, Francisco Pereira Figueiredo, Carlúcio Figueiredo dos Santos, Waldemar Nunes da Silva, José Aparecido Figueiredo, César Figueiredo Sales, Hélio Dias Ramos, Jair dos Santos Dias, José Carlos Figueiredo, Numerlindo Pereira Ramos, Geraldo Dias Ferreira, José Ribeiro da Silva, João Crisóstomo, Ilda Peixoto Ferreira, Suely Dias Ramos, Paula dos Santos Dias, Joana Dias Ramos, Ildete dos Santos Figueiredo, José Bonfim Pereira dos Santos, Maria Aparecida Figueiredo dos Santos e Antônio Nicolino da Silva.
Na ata da reunião de 04/06/2000, a presidente Rosângela Sampaio solicitou aos moradores de Espigão presentes que ajudassem na construção de uma caixa d’água destinada a servi-los. Nessa reunião estiveram presentes 32 moradores de Lagoinha e os seguintes moradores de Espigão: Paula dos Santos Dias, Waldemar Nunes da Silva, José Bonfim Pereira dos Santos, José Dias de Figueiredo, Carlúcio Figueiredo dos Santos, José Ribeiro da Silva e Ilda Peixoto Ferreira.
Diante das evidências documentais, não há dúvidas de que o poço tubular de Espigão de Cima foi aberto por interferência direta do então vereador Ademar Bicalho, a pedido da presidente do conselho comunitário de Lagoinha, Rosângela Sampaio Maciel, e com a participação de um grupo de moradores de Espigão associados àquela entidade. Não há dúvidas também que o benefício tinha um preço eleitoral que está explícito nas falas constantes das atas citadas e em outras não citadas. Na reunião extraordinária destinada a tratar exclusivamente sobre a abertura do poço (que já estava sendo perfurado), no dia 10/01/2000, conforme consta da respectiva ata, Ademar Bicalho relata que tal poço havia sido liberado para a comunidade de Borá e que ele interferiu e conseguiu que fosse mudada a sua destinação; nessa mesma fala o então vereador aproveita para pedir votos para a sua reeleição naquele ano.
Não há, entretanto, nas atas das reuniões posteriores qualquer referência à inauguração do poço naquele ano. Cláudio Figueiredo esclarece que houve a inauguração e que essa ausência de registro foi a pedido da própria coordenação de campanha do referido vereador para que o mesmo não caísse nas malhas da legislação eleitoral por utilizar a inauguração de obra pública como objeto de campanha eleitoral. A caixa d’água que viria atender os moradores da parte mais baixa da comunidade, próximo à residência de “Zé de Ambrósio” só seria liberada no ano seguinte: conforme consta em ata, durante a reunião do conselho comunitário de Lagoinha de 02/05/2001, o então secretário de agricultura Vicente Matos informou à presidente Rosângela Sampaio Maciel que tal caixa havia sido liberada e se encontrava à disposição no pátio da prefeitura; naquela reunião ficou definido que Cláudio Figueiredo ficaria incumbido de demarcar o local da instalação da caixa em Espigão.
A ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE ESPIGÃO
Pouco tempo depois da abertura do poço tubular de Espigão houve a criação da Associação Comunitária dos Pequenos Produtores e Trabalhadores Rurais das Margens do Rio Espigão (ACESP). O processo de criação deu-se, de acordo com alguns depoimentos, a partir de conflitos internos na diretoria do conselho comunitário de Lagoinha. A presidente Rosângela Sampaio faleceu em pleno mandato e “Zé Bonfim” assumiu a presidência em 09/09/2001 e renunciou ao cargo no dia 09/12/2001, ou seja, exatamente três meses depois, conforme os registros em atas do conselho referentes às reuniões dessas datas.
Sobre a renúncia, ele alega que o fez porque o conselho comunitário de Lagoinha já não atendia aos interesses da comunidade que estava se formando em Espigão. Entretanto, Gilvane dos Reis, Carla Luciana, Regina Aparecida e Cláudio Figueiredo, são unânimes em afirmar que a renúncia ocorrera por conflitos internos decorrentes de atitudes centralizadoras e autoritárias do renunciante: ele teria tomado uma série de decisões sem permitir que a diretoria participasse: dentre essas decisões estariam gastos dele próprio com viagens para a sede do município, sem uma justificativa plausível, e a nomeação, sem um critério justo, de pessoas a serem beneficiadas com o Programa Bolsa-Renda (antiga “Frente de Trabalho”). Carla Luciana declara que o “clima ficou tão ruim” que houve um momento em que toda diretoria se reuniu e deu um ultimato ao presidente: ou ele se renunciava ou todos os demais 11 membros da diretoria iriam se renunciar e ele haveria de se explicar à assembleia o porquê da renúncia coletiva. Desses conflitos, apenas o que se refere à questão do Programa Bolsa-Renda consta em ata (reunião de 04/11/2001). José Ribeiro da Silva, que, à época, fora membro do conselho fiscal do conselho comunitário da Lagoinha ao lado de Gilvane dos Reis, confirma que “Zé Bonfim” renunciara sob pressão dos demais membros da diretoria, mas preferiu não discutir os detalhes de tal situação. Após renunciar ao cargo de presidente do conselho comunitário de Lagoinha, “Zé Bonfim” propôs a criação de uma associação em Espigão e assumiu como vice-presidente da recém-criada ACESP. O autor deste texto assumiu a presidência.
Já na solenidade de posse, no dia 15/04/2002, o autor fez um discurso em que criticou as manobras de políticos demagogos e manipuladores na região, ressaltando que ninguém precisa de favores de políticos e sim de exigir que eles trabalhem, uma vez que recebem um emprego e uma procuração para agir em nome de todos através do voto. O discurso deixou visivelmente contrariados alguns dos presentes, dentre eles o então secretário municipal de agricultura, Vicente Matos, o então vereador Ademar Bicalho, o presidente da Coordenadoria das Associações Comunitárias de Montes Claros (CORDAM), Júlio César, o assessor do vereador Ademar Bicalho, Rogério Bicalho, e outras pessoas ligadas a tais políticos; ao que parece, o discurso contrariou, inclusive, o próprio vice-presidente, uma vez que este mudou o seu comportamento desde então, apresentando constantes críticas (algumas delas claramente capciosas) às atividades comunitárias e propostas de mudanças apresentadas pelo autor. O referido discurso não consta da ata de posse, uma vez que o texto desta foi elaborado previamente e trazido pelo representante da CORDAM pronto para ser assinado.
Tão logo foi constituída a ACESP, a diretoria adquiriu, por doação, de “Zé de Ambrósio”, uma área de terreno destinada à construção da sede da associação com um galpão para cultos religiosos não católicos, reuniões, festas, palestras, cursos, etc., e de uma capela para os cultos católicos, que seria construída ao lado da sede da associação. O terreno chegou a ser demarcado, porém, a senhora Maria de Lourdes Peres Figueiredo, esposa de Raul Figueiredo, propôs doar um terreno com as mesmas dimensões, num local mais centralizado e de mais fácil acesso: a proposta foi aceita e a nova área foi demarcada. A senhora Maria de Lourdes, entretanto, faleceu antes de oficializar legalmente a doação do terreno e quando se foi tomar as providências para tal, o seu viúvo havia entrado em atrito com “Zé Bonfim” por questões ligadas à distribuição da água do poço da comunidade e, inicialmente, se recusou a oficializar a doação, embora já havia sido efetivada a posse do terreno por parte da entidade. Só no terceiro mandato da diretoria da ACESP, na gestão do presidente Geraldo Alves Teixeira, é que foi possível uma negociação para a legalização do terreno, quando foi assinado um contrato de compra e venda para a associação. Raul Figueiredo informou que a questão se tornou pessoal entre ele e “Zé Bonfim” em virtude da intransigência deste em não ligar água nas chácaras que ele, Raul, tinha à venda.
O autor, à época de criação da ACESP, era proprietário na comunidade, mas não residia nela, entretanto, havia um acordo de que todas as decisões que dependeriam de encaminhamentos na cidade de Montes Claros seriam feitas pelo presidente e as que dependessem de ações locais na comunidade seriam executadas pelo vice-presidente. Umas das primeiras questões de que o presidente foi convencido foi de que o poço artesiano da comunidade havia sido perfurado para atender a 25 famílias e que se aumentasse o número de consumidores haveria o comprometimento da sua capacidade de abastecimento. A questão foi levada para uma Assembleia Geral que votou que a partir daquela data só haveria o abastecimento de quem já possuía ligações de água na rede de distribuição. Os questionamentos começaram a vir dos proprietários de terras que pretendiam transformar em chácaras para venda, especialmente por parte de Raul Figueiredo, filho de Gertrudes Figueiredo e dos herdeiros de Emídio Lopes.
Durante a pesquisa, fatos, até então desconhecidos da maioria, foram denunciados por Raul Figueiredo, Cláudio Figueiredo e Gilvane dos Reis. As denúncias são de que “Zé Bonfim” usava a decisão da Assembleia Geral de não permitir a ligação de novas penas d’água apenas para quem não era seu aliado – isto é, a decisão só era cumprida quando se tratava de pedido de ligação de água por pessoas que não lhe tinham relações de amizades ou que não lhe faziam favores.
Raul Figueiredo em seu depoimento declarou que foi prejudicado nas vendas das suas chácaras porque o então vice-presidente da ACESP e responsável pelo controle do abastecimento de água, o impedia de vendê-las, avisando aos interessados que essas chácaras não teriam água, uma vez que havia a proibição de se ligar novas penas; disse que conhece pelo menos um caso em que um interessado em comprar uma chácara sua foi convencido pelo citado vice-presidente e Augusto Figueiredo a desistir da compra e adquirir uma outra chácara pertencente à sogra do vice-presidente, com a promessa de eles tinham o controle da água e que para a chácara oferecida por eles a água seria ligada; disse também que chegou a vender um terreno para uma pessoa ligada à entidade denominada de Visão Mundial, que propôs trazer uma série de benefícios sociais para a comunidade e que o mencionado vice-presidente não aceitou ligar a água para a propriedade enquanto esta pertencia a tal pessoa, só o fazendo depois que a pessoa, contrariada com a situação, vendeu o terreno a alguém ligado ao então vice-presidente.
Outra acusação que pairava contra “Zé Bonfim” era a de que a água que abastece a sua propriedade viria de uma rede exclusiva diretamente do poço, sem passar por uma caixa de distribuição como os demais moradores, o que o deixaria imune aos problemas ligados à distribuição de água; e que, apesar das queixas de uma relação desigual no uso da água, a situação permanece assim há 8 anos. Durante uma reunião da atual diretoria ele confirmou que a água utilizada em sua propriedade realmente vem de uma rede exclusiva desde que o poço foi perfurado, mas que pretende solucionar essa questão.
Quanto às acusações de controle da água em benefício próprio, feitas contra Augusto Figueiredo e “Zé Bonfim”, os dois negaram peremptoriamente durante suas entrevistas; o primeiro declarou que nunca houve qualquer problema com a divisão das terras de herança de sua mãe, nem teve qualquer conflito por questão de abastecimento de água; o segundo declarou que Raul nunca lhe pediu para ligar água nos seus terrenos. O fato é que o impasse só viria a ser sanado quando foi aberto um segundo poço na comunidade de Espigão de Cima no ano de 2007, por interferência da família de Raul Figueiredo e do conselho comunitário de Lagoinha, destinado a atender exclusivamente ao loteamento de chácaras de Raul e seus filhos, em Espigão de Cima, e uma parte da comunidade de Lagoinha. A partir da abertura desse segundo poço a venda de chácaras na comunidade, especialmente nos terrenos de Raul Figueiredo e seus filhos, cresceu muito e, consequentemente, houve um acelerado aumento do número de construções e moradores na comunidade.
No segundo semestre de 2009 houve um acordo de parceria entre ACESP e o conselho comunitário de Lagoinha para que 27 das 85 propriedades de Espigão, que eram abastecidas com água do poço tubular situado nos terrenos de Augusto Figueiredo, passassem a ser abastecidas com água do segundo poço.
A COMUNIDADE
Antes de se tornar uma comunidade independente, Espigão era parte da comunidade de Lagoinha, conforme já foi dito. Começou a configuração atual, no tocante à divisão das propriedades, a partir da perfuração do poço artesiano nas terras de Augusto Figueiredo, conforme já foi dito. No entanto, essa independência enquanto comunidade só ocorre a partir da criação da Associação dos Pequenos Produtores e Trabalhadores Rurais das Margens do Rio Espigão (ACESP).
Não há um levantamento preciso sobre o número exato de moradores da comunidade de Espigão de Cima. Isto porque há três tipos de moradores: os fixos, os que moram na cidade e vêm apenas no final de semana e os que o fazem o caminho inverso, isto é, ficam na comunidade durante a semana e vão, no fim de semana, para a cidade. Existem na comunidade 185 sócios cadastrados na ACESP e há 85 construções cadastradas pela Secretaria Municipal de Saúde. Estima-se que atualmente haja cerca de 200 moradores fixos – entre crianças, jovens e adultos – e cerca de 150 que se enquadram nas duas outras situações referidas.
O nome Espigão de Cima em substituição à denominação de apenas Espigão, foi dado numa reunião da ACESP para, como também já foi dito, diferenciar-se da outra comunidade denominada de “Espigão de Baixo” ou “Espigão do Barrocão”. A proposta do nome Espigão de Cima venceu duas outras propostas: “Espigão 2”, apontada como pouco criativa, e “Espigão de Nossa Senhora” apontada como uma proposta que denota manipulação de uma corrente religiosa cristã em detrimento de outras correntes.
A comunidade surgiu como uma comunidade de pequenos produtores (trabalhadores da agricultura familiar). Porém, em pouco tempo adquiriu uma configuração nova e eclética. São encontrados atualmente proprietários que são pequenos agro-pecuaristas, produtores de flores ornamentais, produtores de farinha de mandioca, farinha de milho e beiju, horticultores, trabalhadores da construção civil, médios e pequenos empresários, e, sobretudo, aposentados.
Dentre os aposentados que residem ou que têm propriedades que são visitadas periodicamente na comunidade, estão 6 militares que hoje possuem terras que estão dentro das propriedades que no passado pertenceram a Cesário, Joaquim Leal, “Jacinto Catirá” e “Zé de Ambrósio”. Há quem brinque denominando essa parte da comunidade de “Vila Militar”.
Atualmente a comunidade é atendida por um médico, um dentista, um enfermeiro e técnicos em enfermagem que atendem no Programa de Saúde da Família (PSF) localizado na comunidade de Planalto Rural. Localmente a comunidade conta com um agente comunitário de saúde. Há ainda um gabinete odontológico na comunidade de Lagoinha que no momento da produção deste texto está desfalcado de dentista em função do recente falecimento do profissional que ali atendia.
Há ainda uma escola municipal de primeira à quarta série do Ensino Fundamental na comunidade de Lagoinha que atende a todas as comunidades da região e outra com as séries complementares do Ensino Fundamental e Ensino Médio, além de pré-vestibular, na comunidade de Planalto Rural, que também atende às comunidades da região.
ATIVIDADES RELIGIOSAS
Quando da instalação dos primeiros moradores na localidade em que se formaria a comunidade de Espigão de Cima, as capelas mais próximas estavam em Água Santa, Gameleira e em Riachinho. Praticamente não haviam praticantes de outras religiões: ressaltados um ou outro caso de praticantes do protestantismo (evangélicos) e, mais raramente ainda, praticantes de espiritismo de origem africana. A população raramente via um padre – só em ocasiões muito especiais e estes eram tratados como se fossem não apenas homens, mas, representantes diretos de Deus na terra. Com o passar do tempo, essa relação de endeusamento dos padres foi se modificando e eles atualmente são vistos apenas como autoridades religiosas.
As atividades religiosas ligadas ao catolicismo, religião predominante na localidade desde os primeiros moradores até os dias atuais, no início quase sempre se restringiam aos “terços” , folias (peregrinações que misturam o profano e o sagrado), orações isoladas nos cemitérios em Dia de Finados, novenas e “penitências”. Posteriormente houve a construção da capela de Lagoinha e os contatos com a igreja se aproximaram um pouco mais.
Por ocasião da legalização da associação comunitária de Espigão de Cima, surgiu a exigência de uma declaração de um sacerdote de que havia na localidade uma comunidade constituída. Na época, a região era vinculada à Paróquia de São Sebastião e a igreja mais próxima era a de Lagoinha, onde os moradores de Espigão participavam de atividades religiosas. A atenção da Igreja Católica com a comunidade, apesar de alguns avanços, ainda era precária e os organizadores da documentação da associação esbarraram num processo burocrático para se conseguir tal declaração. O presidente optou, então, por pedir essa declaração a um pastor evangélico da Igreja Batista (bisneto de Joaquim Nunes) que foi conseguida sem nenhuma dificuldade.
Outra burocracia foi para se conseguir um padre para celebrar uma missa no terreno em que foi doado por “Zé de Ambrósio” para a construção da sede da associação; a missa era uma reivindicação dos moradores. O presidente decidiu, então, convidar um padre amigo seu, de uma outra paróquia, para tal celebração e um grupo de freiras dessa mesma paróquia para proferirem uma palestra acerca de como se formar pastorais na comunidade. Esse convite também esbarrou numa burocracia porque dependia de autorização do pároco local e este só autorizou após uma acalorada discussão em que lhe foi apontada uma desatenção da igreja com a comunidade. Durante a celebração dessa primeira missa foi fincada uma cruz de madeira no local, que foi submetida a um ritual de aspersão com “água benta”. Após se tomar posse do terreno doado pela senhora Maria de Lourdes para a construção da sede da associação, na parte alta da comunidade, a cruz foi transferida para esse novo local, seguindo um ritual de transporte através de uma procissão e benzedura do local.
Com a mudança do local da construção da sede da associação o projeto de construção da sede da associação com espaço para atividades religiosas não católicas e uma capela ao lado para atender aos católicos (que são maioria), no terreno da associação, em princípio, foi mantido. Contudo, na reunião da ACESP do dia 04/10/2005, conforme consta em ata, Onofre Alves dos Santos fez a proposta de se fazer contato com os proprietários de um terreno situado defronte ao terreno da associação para solicitar deles a avaliação da possibilidade de doação de uma área de terra exclusivamente para a construção da capela. O próprio Onofre ficou encarregado de conduzir as articulações com os proprietários do terreno para se tentar a doação. Após os contatos com a senhora Ruth, uma das proprietárias do citado terreno, houve primeiramente a proposta de doação num determinado ponto e, posteriormente, houve uma segunda negociação envolvendo os outros proprietários do terreno, chegando-se à doação de uma área de 1.000 m² defronte ao terreno da ACESP. Nessas negociações houve a participação de uma comissão de moradores ligados às atividades religiosas, sob a coordenação de Onofre Alves, por ter sido este o autor da proposta.
A capela da comunidade começou a ser construída a partir do empenho pessoal de João Luiz dos Santos, o “João Trancinha”, e sua esposa Eliene, principais motivadores do projeto de construção; nesse processo teve participação ativa também, além do casal Onofre/Mariana, os seguintes casais: Antônio/Eva, “Zé Bonfim”/ “Cida”, Cláudio/Cleuza, Gilvane/Darly, Geraldo/Marly, Carlúcio/Raquel, “Lê”/Eva e muitos outros.
ATIVIDADES DE ESPORTES E LAZER
As atividades de lazer dos primeiros moradores da localidade se restringiam a visitas, previamente marcadas, a parentes e vizinhos, festas em casas de famílias e nas comunidades onde havia igrejas católicas, peregrinação e festas de arremates de folias. Havia os adeptos de caçadas e, muito raro, de pescarias.
Com o passar do tempo foi-se criando o habito de se freqüentar os pequenos bares localizados nas margens da estrada de rodagem (depois rodovia BR 135) e nas imediações de campos de futebol. Foram surgindo folias de Reis e de Bom Jesus, as mais tradicionais que atuavam na região eram as folias “dos Peixoto”, “de Eurico” e “de Salvador”. Os bares de maior frequência, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, como já foi citado, foram os de “Miguel Cacetão”, “Miguel Pedra”, “Neco Martins”, Dionísio Leal e de “Raul de Ambrósio”. Dentre esses comércios, os mais sofisticados dispunham de geladeiras à querosene e vendiam cerveja e refrigerantes; outros vendiam apenas as chamadas “bebidas quentes” (cachaça e conhaque eram as mais comuns); todos dispunham de mesas de sinuca.
O lazer das novas gerações de moradores da comunidade mudou razoalvemente, embora os barzinhos situados às margens da rodovia (alguns com mesas de sinuca) ainda continuam sendo uma opção de lazer dos moradores, especialmente nos finais de semana. Mas, em contrapartida, há os que preferem assistir canais de televisão aberta, por antenas comuns ou parabólicas, e filmes em DVD. Há alguns praticantes de cavalgada (há inclusive um grupo organizado nas comunidades de Planalto e Capoeira Velha, que conta também com integrantes de outras comunidades); há um grupo de capoeira em Espigão de Cima e outro em Planalto Rural; e há praticantes isolados de ciclismo. A prática de futebol de campo ou de quadra, ou simplesmente a prática de assistir a esses jogos, são também opções de lazer. Há também festas esporádicas, comunitárias ou em casas de família. É possível perceber, ainda, que algumas atividades religiosas de alguns católicos e evangélicos, embora tratadas com seriedade, funcionam, na prática, como uma atividade de lazer para os praticantes, dado ao elevado nível de bem-estar que obtêm em tais atividades.
CONCLUSÃO
A comunidade de Espigão de Cima não surgiu como uma comunidade nova: surgiu como uma parte da comunidade de Lagoinha que se desmembrou e se tornou autônoma. A comunidade de Lagoinha é organizada em torno de um conselho comunitário desde 1989. Há que se ressaltar, no entanto, que a reorganização enquanto comunidade independente de Espigão de Cima deu-se claramente com um propósito político eleitoral. O então vereador Ademar Bicalho foi o motivador inicial da ideia de criação da ACESP, porém, logo se afastou por dissensão com as idéias do primeiro presidente da entidade, muito embora, tenha mantido, o tempo todo, contatos dentro da comunidade para preparação de suas candidaturas: “Zé Bonfim” sempre foi o principal desses contatos, mas, não era o único na comunidade.
Há pelo menos duas situações que mostram claramente o jogo político eleitoral que era fomentado dentro da ACESP através dos correligionários de Ademar Bicalho, no intuito de se manter o controle dos votos na comunidade de Espigão de Cima. Um dos fatos ocorreu durante a reunião da associação no dia 21/07/2004, quando o então presidente fez questão de esclarecer aos sócios que um projeto de eletrificação rural que estava prestes a ser liberado para beneficiar os moradores da comunidade nada tinha a ver com o trabalho do então vereador Ademar Bicalho, como vinha sendo divulgado, e que se tratava de um projeto federal, “Programa Luz para Todos”, cujo coordenador em Montes Claros, na época, era o sr. Pedro Clementino Barcellos. Estava claro que os correligionários do vereador utilizavam a proposta do programa federal como um suposto benefício a ser liberado por este, com a finalidade angariar votos no pleito municipal daquele ano. Para esclarecer a situação, e especialmente diante da insistência do principal correligionário do vereador na comunidade, o presidente propôs fazer uma reunião em que seriam convidadas as duas autoridades citadas para que fossem esclarecidas quaisquer dúvidas sobre o projeto. A reunião foi marcada e nenhum dos dois convidados compareceu – o coordenador do “Programa Luz para Todos” telefonou alegando que foi impedido devido ao falecimento de um parente seu e o vereador não justificou sua ausência. O fato foi registrado em ata.
A outra situação que demonstra claramente o intuito de se inserir a comunidade de Espigão de Cima no processo de manipulação eleitoreira com o apoio de lideranças e de sua associação comunitária, ocorreu no dia 04/08/2004, quando o presidente, durante a reunião da associação, solicitou que fosse feita a destruição de 200 de carteiras de sócios da ACESP prontas para serem preenchidas (“espelhos”), na presença de todos os sócios reunidos; tais “espelhos” haviam sidos entregues por “Zé Bonfim”, como doação de Ademar Bicalho: o motivo apresentado para justificar a destruição das carteiras foi o fato de que elas continham em destaque o nome do doador impresso em caixa alta, em diagonal e ao fundo, no anverso; prática interpretada como uma explícita propaganda política eleitoral para as eleições municipais que se realizariam dois meses depois. O correligionário que fez a entrega das carteiras, ao presenciar a proposta de destruição, tentou defender-se alegando que todas as associações da região utilizavam carteiras com o nome do vereador impresso. Esse fato também está registrado na ata da reunião da respectiva data.
Está comprovado, através de depoimentos dos entrevistados, que a Fazenda Espigão e adjacências foi um “curral eleitoral” de “Neco Santa Maria” e “Deba” durante as décadas de 1950, 1960 e 1970. Com a morte dos dois, Ademar Bicalho passou a controlar politicamente a região, utilizando de estratégias eleitorais semelhantes às que foram usadas por seus antecessores: promessas, clientelismo , cooptação de lideranças e a consequente manipulação dos eleitores. Só não há registros, na política de Bicalho, de acusações de torturas e assassinatos de adversários políticos, como se comenta contra os dois primeiros – embora haja quem fale sobre supostas ameaças veladas de correligionários seus a determinados opositores.
Bicalho perdeu a eleição em 2008, depois de 4 ou 5 mandatos consecutivos de vereador. A análise que se faz é que a estratégia utilizada por ele, cuja base sempre foi a cooptação de lideranças, o derrotou quando ele manteve a confiança em lideranças que aprenderam a fazer jogo duplo, e já não mereciam a sua confiança – em outras palavras: ele teria sido traído por pessoas o ajudavam a manipular outras pessoas. Um detalhe que é preciso destacar, entretanto, é que Ademar Bicalho apesar da sua política coronelista, dos engodos e das promessas não cumpridas, destacou-se como o político que mais trouxe benefícios para a comunidade de Lagoinha e comunidades do entorno desta, inclusive Espigão de Cima. Ele produziu muito mais que os seus antecessores que tinham domínio sobre a região. É possível que políticos progressistas de hoje condenem esta afirmação, mas, por uma questão de ética e honestidade, ela não poderia deixar de ser dita. Com a derrota de Bicalho, outros políticos com a mesma tendência conservadora e igualmente manipuladores têm se aproximado das lideranças das comunidades locais, tentando ocupar seu espaço, utilizando, basicamente, das mesmas estratégias que ele sempre usou.
No que tange à mudança de hábitos e costumes, acredita-se que, como em todo o país, tanto na zona urbana como rural, a televisão tenha sido o principal influenciador nos últimos anos. Isto tem um aspecto negativo no sentido de alienar e condicionar as pessoas à determinada ideologia, mas, não deixa de apresentar, por outro lado, um aspecto positivo no sentido de minimizar as diferenças entre o comportamento das pessoas do meio rural e urbano. Com a globalização, da qual um dos principais instrumentos é a internet, a inclusão digital está ocupando o lugar da televisão convencional no mundo inteiro, no âmbito da divulgação de informações, e na comunidade de Espigão de Cima não é diferente. Um levantamento superficial, feito durante a pesquisa para este trabalho, mostrou que já existem pelo menos sete residências na comunidade que são dotadas de aparelhos de computadores e que cerca de 10% dos moradores fixos já têm contato com a internet dentro ou fora de casa. Acredita-se que a partir do nível de evolução que a comunidade se encontra hoje, é possível que ela se encaminhe por uma trajetória cada vez mais independente e que seus moradores, especialmente as novas gerações, sejam conscientes de seus papéis enquanto cidadãos, que sejam capazes de escolher o que melhor convém à coletividade sem se deixarem manipular por lideranças que têm como prioridades seus interesses pessoais.
SOBRE O AUTOR
JOÃO NUNES FIGUEIREDO é subtenente da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais, graduado e pós-graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), bacharel em Ciências Sociais com especialização em Sociologia Rural, também pela Unimontes, pós-graduado em Linguística com ênfase na produção de textos pelas Faculdades Santo Agostinho, pós-graduado em Filosofia Moderna pela Unimontes; possuidor dos cursos “Formação política, social, econômica e cultural do Norte de Minas” e “Pedagogia dos Movimentos Sociais”, como aluno especial do Mestrado em Desenvolvimento Social da Unimontes. É jornalista profissional registrado sob o n° MTE13217-JP e sociólogo registrado sob o n° MTE0957. Nasceu na Fazenda Espigão, município de Montes Claros/MG, é descendente dos primeiros moradores da parte da Fazenda Espigão que daria origem à comunidade de Espigão de Cima: filho de José Dias de Figueiredo, o “Zé de Ambrósio”, e Maria Aparecida Nunes; bisneto de Joaquim Nunes Cordeiro/Suzana Cordeiro e neto dos casais Ambrósio Dias de Morais/Gertrudes Alves Figueiredo e Manoel Nunes Cordeiro /Horacina Ferreira da Silva.
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